Maio de 2012. Dois violentos sismos atingem o Norte de Itália. 27 Pessoas perderam a vida, cerca de 350 ficaram feridas e mais de 45 mil tiveram de ser evacuadas. As autoridades italianas estimam prejuízos em mais de 13 mil milhões de euros. Edifícios, infra-estruturas, empresas, instalações industriais e sector agrícola – nada escapou ao terramoto. A região da Emília-Romanha – a mais rica e industrializada do país, conhecida por albergar alguns dos mais famosos fabricantes de automóveis do mundo, como a Ferrari ou a Lamborghini, foi a mais afectada. Contudo, é aqui, que três anos mais tarde, se está prestes a testemunhar um milagre e que tem como “epicentro” a cidade de Carpi, também ela obrigada a dar a volta por cima depois do terramoto que devastou toda a região.
Com cerca de 70 mil habitantes, é nesta cidade que se encontra o estádio Sandro Cabassi. Construído em 1928, tem uma das assistências mais baixas da Serie B – 2884 espectadores. Em contrapartida, pode gabar-se de ter a maior percentagem de ocupação entre os estádios das 22 equipas que disputam actualmente o segundo escalão do futebol italiano – 69,3%. É a casa do Carpi FC 1909, clube que está à beira de concretizar um feito inédito na sua história: a promoção à Serie A – o escalão máximo do futebol italiano, e com um trajecto bastante peculiar.
Fundado em 1909 por um jovem estudante local – Adolfo Lanconi, como Jucunditas, que em português significa prazer, a história da Associazione Calcio Carpi – assim rebaptizada alguns anos mais tarde, resume-se em poucas palavras.
Os biancorossi – devem este nome à presença do vermelho e branco no seu equipamento, passaram a maior parte da sua história nos escalões inferiores do futebol italiano, alternando entre a Serie C e a Serie D. A temporada de maior sucesso para o clube ficaria assim reservada para meados da década de 90. Em 1996/97, sob a orientação de Luigi de Canio, o Carpi obteve um terceiro lugar que lhe permitiu disputar o playoff de promoção à Serie B. No entanto, a equipa onde despontava Marco Materazzi – talvez o jogador mais conceituado que alguma vez representou os biancorossi, caiu na final, aos pés do Monza, permanecendo desta forma no terceiro escalão. A fase mais negra na história do Carpi chegaria depois. No espaço de três anos, o clube seria despromovido por duas vezes e em 2000 acabaria por declarar falência.
Refundado em 2002 com a identidade actual, o agora Carpi FC 1909, iniciaria logo aí a sua ascensão, com a promoção à Serie D – o quinto escalão do futebol italiano. Em 2010, e já depois de ter sido repescado à Lega Pro Seconda Divisione, face às dificuldades financeiras de outros emblemas, um grupo de empresários do sector têxtil, encabeçado por Stefano Bonacini, assumiu o controlo do clube: “Somos pessoas que amam o futebol, apaixonadas pela sua cidade e que querem mostrar resultados. Os meios são modestos, mas os objectivos são ambiciosos”.
De regresso aos campeonatos profissionais, o Carpi seria protagonista de uma nova proeza. Depois de liderar a competição do princípio ao fim, o clube sagrar-se-ia campeão, consumando desta forma a promoção pela segunda temporada consecutiva, mas desta feita à Lega Pro Prima Divisione.
Doze anos depois da última presença no terceiro escalão, o Carpi esteve muito perto de conseguir aquilo que seria impensável para muita gente: a terceira promoção em outras tantas temporadas. Depois de um terceiro lugar na fase regular, os biancorossi apuraram-se para o playoff de promoção onde acabariam por sucumbir na final perante o histórico Pro Vercelli – um dos emblemas mais titulados do futebol italiano no início do século XX.
Na temporada seguinte, o Carpi repetiria o último lugar do pódio e o consequente apuramento para o playoff de promoção. Depois de ultrapassar o Südtirol na meia-final, o clube defrontou o Lecce – que partia com todo o favoritismo para o duelo decisivo. Porém, um agregado de 2-1, favorável aos biancorossi, permitiu-lhes fazer história, garantindo pela primeira vez a promoção à Serie B.
Em ano de estreia no segundo escalão, o Carpi passou por alguns momentos mais complicados, que ditaram inclusive o despedimento do técnico Stefano Vecchi. No entanto, Giuseppe Pillon ainda chegaria a tempo de recuperar a identidade da equipa e assegurar o principal objectivo do clube – a manutenção.
A actual temporada ditou a chegada do italiano Fabrizio Castori ao comando técnico da equipa. O treinador de 60 anos pode orgulhar-se de contar no seu currículo com nada mais, nada menos do que 7 (!) subidas de divisão. Os destinos da equipa não podiam estar melhor entregues. Contudo, ninguém conseguiria prever o sucesso que esta equipa tem alcançado.
Com 35 jornadas já disputadas, o Carpi lidera a Serie B com 71 pontos, mais 14 que o segundo classificado – Bolonha. Se até há bem pouco tempo atrás o momento da equipa ainda era olhado por todos com muito cepticismo, o triunfo contundente por 3-0 sobre o Bolonha, terá desfeito todas as dúvidas.
O jogo assumia um carácter especial, não só porque estavam frente-a-frente os dois primeiros classificados da Serie B, mas porque ambas as equipas pertencem à mesma região: Emília-Romanha. De um lado, a equipa com a folha salarial mais baixa de todo o campeonato, cujo orçamento nem sequer ultrapassa os 5 milhões de euros. Do outro, o Bolonha – um dos emblemas mais titulados do futebol italiano, recentemente adquirido por um grupo de empresários norte-americanos. A reabertura do mercado de transferências ficaria marcada pela chegada à equipa de inúmeros jogadores com imensa bagagem competitiva de primeiro escalão – de longe, o melhor plantel da Serie B. Ainda assim, foi insuficiente para travar o ímpeto da melhor equipa do campeonato, na verdadeira acepção da palavra – o Carpi. Imaginem a satisfação que pairava no Sandro Cabassi quando o árbitro apitou para o final da partida.
Gabriel, emprestado pelo Milan, é o rosto mais conhecido desta equipa. Longe dos principais holofotes, o jovem guarda-redes brasileiro tem brilhado e foi crucial para que a equipa terminasse pela 18ª vez uma partida com a “folha limpa” – um dos melhores registos entre as duas principais divisões dos seis países mais bem cotados no ranking da UEFA. O restante plantel é composto por jogadores praticamente desconhecidos para todos nós, “pescados” nos escalões inferiores.
A disposição táctica da equipa varia geralmente entre o 4-3-3 e o 4-1-4-1. No entanto, já se viu de tudo: desde o 4-4-1-1, ao tradicional 4-4-2, passando ainda pelo 3-5-2, muito comum nas equipas transalpinas. Apostando num bloco mais recuado que lhe garanta a solidez defensiva desejada, a equipa procura explorar frequentemente o contra-ataque.
Como já aqui foi dito, Gabriel ocupa a baliza. O quarteto defensivo é composto pelos italianos Riccardo Gagliolo – produto da formação, já mostrou o suficiente para se impor na Serie A; Simone Romagnoli, que soma uma passagem pelos escalões de formação do Milan; Gaetano Letizia; e pelo esloveno Aljaz Struna. O meio-campo é confiado aos elementos mais experientes do plantel: o capitão Filippo Porcari, Lorenzo Lollo e Raffaele Bianco. Lorenzo Pasciuti e Antonio Di Gaudio – o jogador mais talentoso da equipa, ocupam os corredores. Na frente de ataque, Jerry Mbakogu, ponta-de-lança nigeriano de 22 anos, que chegou a Itália ainda em criança. É a estrela da equipa e o jogador mais bem pago de todo o plantel – recebe “apenas” 100 mil euros por ano. Atentos ao seu rendimento estão o Borussia Dortmund e o Sassuolo, que vê nele o substituto perfeito para Simone Zaza – habitual titular da selecção italiana desde que Antonio Conte assumiu a Squadra Azzurra, e que parece estar de saída. Curiosamente, o Sassuolo, que protagonizou igualmente uma ascensão meteórica pelos mais diversos escalões do futebol italiano, também pertence à região da Emília-Romanha.
Ainda não se sabe em que estádio o Carpi irá competir na próxima temporada: o Sandro Cabassi está longe de cumprir com os requisitos mínimos e a hipótese de jogar numa casa alternativa tem sido estudada. No entanto, o que parece cada vez mais certo é que os biancorossi estarão na próxima temporada sentados à mesma “mesa” que os grandes do futebol italiano. Futebol italiano, que como se sabe, não atravessa o seu melhor momento, mas é por contos-de-fada como este que ele não merece que lhe viremos totalmente as costas.
Visão do Leitor (perceba melhor como pode colaborar com o VM aqui!): João Lains