Aproximamo-nos de Março, tradicional mês de início da temporada de ciclismo “a doer”. Até agora tivemos “aperitivos” (provas de Janeiro e Fevereiro como o Tour Down Under, o Tour de San Luís e até a nossa Volta ao Algarve) que já nos deixaram com água na boca. Começando pelos “pesos pesados” da modalidade, a destacar o recente duelo entre Alberto Contador e Chris Froome na Volta a Andaluzia (com vitória final do britânico), marcado por boas indicações de ambos – já apresentam um golpe de pedal muito solto para esta fase da época – e fica no ar um sinal de aviso para pretendentes ao trono do Tour de France como Vincenzo Nibali e Nairo Quintana. A nível de sprinters, Mark Cavendish já tem 4 vitórias em 2015 mas pelo meio já foi batido de forma contundente por Fernando Gaviria, um jovem colombiano com um futuro auspicioso. Alexander Kristoff, Greipel, Juan Lobato ou Andrea Guardini também já têm vitórias ao sprint em 2015. Nota ainda as boas indicações de Rafael Valls (vencedor surpresa do Tour de Omã), Geraint Thomas (o n.º 1 da Volta ao Algarve à frente do campeão do Mundo Michal Kwiatkowski e do português Tiago Machado) e de Rein Taaramae (vencedor da Volta a Murcia), ciclistas que tem tudo para fazer uma boa época.
Uma temporada que tem tudo para ser uma das melhores de sempre, tantos são os protagonistas nas diversas disciplinas, mas que também deverá marcar uma viragem no ciclismo, já que o histórico trio espanhol está na fase final da carreira. Contador, que mantém o sonho de igualar Pantani, anunciou que deve deixar a modalidade no próximo ano, Purito tem neste ano talvez a última oportunidade de juntar a Vuelta ao seu currículo, enquanto que Valverde (que completa 35 anos em Abril) já não terá muito mais hipóteses de voltar a vencer uma grande Volta e o Mundial. Uma realidade que poderá tirar a Espanha do mapa do ciclismo, e que irá permitir a ascensão de outras figuras, principalmente as colombianas e esta nova vaga francesa.
Segmentando a temporada por tipo de corrida:
Clássicas do pavé: a não perder os lendários Tour des Flandres (5 de Abril) e Paris-Roubaix (12 de Abril). Outras provas deste género incluem a Strade Bianche, Gent-Wevelgem e a H3 Harelbeke. O actual rei do pavé, Fabian Cancellara, parece não ter a motivação de outros tempos e já deixou indícios de que se poderá retirar após a conquista de um novo monumento. Cancellara ainda é o grande favorito em 2015, em parte devido à constante quebra de rendimento do seu velho rival Tom Boonen, mas há novos talentos a emergir e que deverão intrometer-se na luta como Sep Vanmarcke ou Taylor Phinney, e não nos podemos esquecer de especialistas como Lars Boom, Zdenek Stybar. Greg Van Avermaet ou Niki Terpstra. Peter Sagan, John Degenkolb e Alexander Kristoff são homens rápidos que também têm pedigree para ganhar nestes percursos e serão um perigo se os especialistas não os deixaram para trás nos sectores de paralelos ou muros. Outros nomes relevantes: Filippo Pozzato, Jurgen Roelandts e Edvald Boasson Hagen.
Outras clássicas: a primeira clássica Monumento da época, a Milão–São Remo, disputar-se-á no dia 22 de Março. Esta edição marca o regresso do final na mítica Via Roma – pela primeira vez desde 2007 quando venceu Óscar Freire – algo que agrada aos fãs e à maioria dos ciclistas, tornando o Poggio decisivo (ainda mais) para uma última selecção da corrida. Oportunistas ou puncheurs como Philippe Gilbert, Tim Wellens, Simon Gerrans ou Fabian Cancellara provavelmente irão usar o Poggio para tentar evitar uma chegada ao sprint que favorece os já citados Sagan, Degenkolb, Kristoff ou um promissor Michael Matthews.
Em Abril, teremos a tradicional semana das Ardenas, que inclui o trio de clássicas repletas de colinas curtas e extremamente inclinadas – Amstel Gold Race, Flèche Wallonne e Liège-Bastogne-Liège, a mais importante das 3 e um dos 5 monumentos da temporada. Os “velhos” espanhóis Joaquím Rodríguez e Alejandro Valverde são crónicos candidatos, encabeçando uma lista onde podemos incluir o “nosso” Rui Costa, o campeão do mundo Michal Kwiatkowski, e outros homens “explosivos” como Philippe Gilbert, Simon Gerrans, Daniel Martin, Rafal Majka, Carlos Betancur, Diego Ulissi, Tom Slagter ou Moreno Moser. A nível pessoal, gostaria de ver o campeão do Mundo em 2013 a apostar seriamente nesta semana devido à sua excepcional leitura de corrida, frieza e capacidade de gestão de esforço, aspectos cruciais para se ser bem sucedido nestas provas. O português parece determinado a concentrar-se em corridas (e subidas) mais longas, onde dificilmente terá a capacidade de ombrear com trepadores puros como Nairo Quintana ou Alberto Contador. Também fica a dúvida em relação à prioridade da equipa Lampre para estas provas, porque Diego Ulissi ganhou peso dentro da equipa depois de ter ganho duas etapas na Volta à Itália 2014 com final semelhante ao destas clássicas. Outros nomes a seguir com atenção neste período: Adam Yates, Davide Formolo, Enrico Battaglin e uma série de colombianos com características para estas provas, como Esteban Chaves, Julian Arredondo ou Sergio Henao.
Grandes Voltas: já temos uma ideia de quem ambiciona a maglia rosa do Giro d’Italia. O vencedor de 2014, Nairo Quintana, não vai defender o título para se concentrar na missão Tour de France. Alberto Contador já confirmou a sua presença e vai tentar ser o primeiro homem desde Marco Pantani a vencer o duo Giro-Tour. É um enorme risco, devido à proximidade das provas e o próprio Contador já fracassou nesta tentativa em 2011 (venceu o Giro mas chegou ao Tour com pouca frescura e foi inferior a Cadel Evans e Andy Schleck). O traçado do Giro deste ano é menos exigente – no plano teórico – uma vez que tem menos finais em alto e mais kms de contra-relógio, incluindo um muito pouco usual contra-relógio individual de 59 kms, bem ao estilo dos tempos de Miguel Indurain. Na minha opinião, Contador, se estiver realmente motivado (há quem fale em bluff e num Contador a encarar o Giro como preparação para o Tour) será o grande favorito à vitória. Fabio Aru, na ausência de Nibali, irá liderar a Astana e é teoricamente o grande rival de Contador, mas deverá perder demasiado tempo num Giro com tanto peso de contra-relógio. Rigoberto Uran (líder da Quickstep) e Richie Porte (líder da Sky) deverão beneficiar do traçado e podem ser sérios candidatos, pelo menos, ao pódio final. A lista deverá incluir outros nomes interessantes para a geral como Betancur, König, Pozzovivo, Intxausti e Ulissi. Jovens talentos a seguir com atenção: Chernetski da Katusha – apontado como um talento russo ao nível de Tonkov e Berzin -, Conti da Lampre ou Formolo da Garmin. A nível de sprinters, o Giro irá contar com nomes como Greipel, Pelucchi, Modolo, Petacchi, Matthews, Lobato, Colbrelli, Mezgec ou Viviani, portanto qualidade não irá faltar, mas ainda não se sabe se Cavendish ou Kittel estarão presentes.
Tour de France: a Volta de 2015 promete ser uma das melhores dos últimos 20 anos. Vincenzo Nibali ganhou de forma autoritária em 2014, vencendo 4 etapas e banalizando ciclistas de grande nível como Valverde. Não se via um Tour tão desnivelado desde os tempos de Armstrong. No entanto, ficou a dúvida no ar: como teria sido a prova com Contador e Froome até final? É verdade que Nibali, o tubarão da Sicília, não teve culpa nas quedas de Contador e Froome e mostrou que tem atributos que os 2 rivais não têm – basta lembrar a famosa etapa de pavé, onde a par de Jakob Füglsang, deixou para trás nomes como Sagan ou Cancellara. O Tour 2015 terá uma nova “mini Paris-Roubaix” e será uma mais-valia para o italiano. Projectando Nibali, Quintana, Froome e Contador ao seu melhor nível, os dados estão lançados para um espectáculo sensacional. Quintana e Contador em pico de forma lado a lado num Alpe-D’Huez, um Froome com o comboio Sky bem oleado (Porte, König, Henao, Thomas, Nieve, Kennaugh) pronto a arrasar o pelotão pela subidas fora, um Nibali destemido e pronto a atacar nas descidas ou quem sabe no pavé. E ainda há os “outros”, começando por Joaquím Rodríguez e Alejandro Valverde, ciclistas que já passaram a barreira dos 35 anos e mantêm uma consistência de resultados impressionante. Não são grandes candidatos à vitória em Paris, mas a sua consistência pode dar um pódio e depois do Tour estarão (quase de certeza) a pensar na vitória na Vuelta. Pela sua parte, os franceses têm esperança num futuro risonho e têm motivos para tal. Já não se via tanto talento desde os anos 80 (Fignon, Mottet, Hinault) e agora com os jovens Pinot, Bardet e Barguil (sobretudo nos dois primeiros) a França tem potenciais vencedores do Tour, talvez não este ano, mas em breve. E não nos podemos esquecer de Jean-Christophe Péraud, que apesar dos 38 anos, foi um surpreendente 2º classificado em 2014. Outros potenciais animadores: Rafal Majka esteve a grande nível em 2014 e tem talento para grandes voos, mas deverá estar limitado ao apoio a Alberto Contador. O mesmo se aplica a Roman Kreuziger, outro companheiro na Tinkoff Saxo. Ainda em relação a homens da geral, atenção à evolução dos americanos Van Garderen e Talansky (que desiludiram em 2014), Mollema e Kelderman (e quem sabe, o miúdo Tom Dumoulin, se evoluir na montanha) prometem continuar a colocar a Holanda como uma nação relevante, e nunca esquecendo os já referidos colombianos para além de Quintana (Uran, Betancur, Henao, Chaves ou Arredondo).
Por último, a guerra dos sprints: Mark Cavendish, o míssil da ilha de Man, parece ter perdido o “título” de homem mais rápido do mundo para o alemão Marcel Kittel, mas o orgulho de Cavendish – em final de contrato com a Quickstep – poderá aquecer esta batalha. Peter Sagan continua a ser o grande favorito na luta pela camisola verde, mas o facto de estar na mesma equipa de Contador poderá tirar-lhe protagonismo e apoio em momentos-chave da prova. Kristoff e Degenkolb também são ameaças à hegemonia de Sagan (até são mais rápidos que o fuoriclasse da Eslováquia), mas estão condicionados pelas suas equipas (Kristoff numa Katusha de Rodríguez e Degenkolb “tapado” por Kittel). Atenção ainda a Nacer Bouhanni, Michael Matthews, Arnaud Démare, Bryan Coquard ou a Giacomo Nizzolo, ciclistas com enorme potencial e que irão tentar subir de nível em 2015 para se tornarem parte da realeza da velocidade.
Portugueses: Portugal terá uma boa representação no circuito World Tour. Rui Costa terá a companhia do seu irmão, Mário, e de Nélson Oliveira na Lampre-Merida, Bruno Pires e Sério Paulinho estarão na Team Tinkoff-Saxo, André Cardoso na Cannondale-Garmin, Fábio Silvestre na Trek e Tiago Machado na Katusha. A nível Profissional/Continental, José Mendes vai correr pela Team Bora, convidada para o Tour de France, enquanto Ricardo Vilela e José Gonçalves vão correr na Caja Rural, equipa que deverá correr na Vuelta.
Visão do Leitor (perceba melhor como pode colaborar no VM aqui!): Marcos Santos