Uma cidade criada de raiz para acolher um evento; uma claque recrutada em Espanha para apoiar a seleção anfitriã; mais um título para uma seleção francesa, arrancado a uma equipa do Qatar que mais se assemelha a uma espécie de Sociedade das Nações – em linhas gerais, é este o saldo do Campeonato do Mundo de Andebol 2015. Esqueçamos as Olimpíadas de Berlim e de Roma. Pela primeira vez na era moderna, assistimos a um evento desportivo de topo no qual, mais do que pelos aspectos desportivos em si, as atenções são dominadas pela polémica do esforço (financeiro, comercial e até diplomático) da nação anfitriã para se conseguir incluir por vias travessas num mundo ao qual não pertence por Natureza.
O Qatar (juntamente com outros países da mesma esfera geo-política) batalha por ver os seus méritos (Será que os tem de facto?) reconhecidos pelo mundo ocidental. E quem paga é o desporto. A afirmação tem vindo a ser procurada à custa de investimentos colossais (que só o petróleo e a exploração do ser humano conseguem suportar) que visam implantar uma competência desportiva artificial que em nada enriquece as modalidades.
O Qatar nunca foi (até hoje) uma potência em modalidade nenhuma. No caso concreto do andebol, destaco, por mero exemplo, os 10 golos de diferença com que foram despachados pela seleção portuguesa no Mundial de 2003. E Portugal, então país organizador, não era (e não é) sequer tido como um candidato óbvio para a qualificação para as principais provas. Hoje, o Qatar é finalista vencido. É o vice-campeão mundial de andebol – com uma equipa formada maioritariamente por jogadores naturalizados, muitos deles anteriormente internacionais por outras seleções. Atenção – a naturalização, em si, não me choca. (Não vejo mal algum na naturalização de um atleta que há vários anos desempenha as suas funções num país que, não sendo o seu de origem, muitas vezes faz parte dos melhores momentos da sua vida, sejam eles de índole desportiva ou pessoal.) Choca-me quando é “forçada” no sentido de desenhar a partir do zero uma equipa capaz de se inserir entre as melhores e num momento epecífico. Choca-me quando não existe a perspectiva de trabalho a longo prazo (louvem-se os vários projectos espanhóis que visaram – e conseguiram – tornar o seu país numa potência em praticamente todas as modalidades), secundada em favor do aliciamento financeiro de jogadores e treinadores vindos de outras paragens (vou abster-me de falar em dirigentes internacionais…). Não vou perder tempo com as arbitragens – qualquer apreciador de andebol estará pasmado com a forma como foi sendo permitido (não) jogar à seleção do Qatar e ir avançado na prova. (Que o digam os polacos!, mas não só.) Acima de tudo, choca-me que se tente forjar um campeão à luz de regulamentos que continuam a permitir este tipo de manobras, das quais o grande prejudicado é sempre o desporto.
Por agora, o Qatar não ganhou o Campeonato do Mundo. Conseguiu “apenas” ser a primeira seleção não-europeia a disputar uma final. Quando chegaremos ao ponto sem retorno? Conseguiremos parar a tempo? É que o Campeonato do Mundo de Andebol não foi mais do que um mero ensaio. Na minha cabeça, já começo a recear umas Olimpíadas. Até porque o Mundial de Futebol é já daqui a 7 anos.
Visão do Leitor (perceba melhor como pode colaborar com o VM aqui!): Nuno Lima
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