
os amantes do desporto rei, o mês de dezembro começou da melhor forma, com a
divulgação, no dia 1, dos três candidatos finalistas à conquista do prémio
individual mais prestigiante do futebol, a Bola de Ouro. Sem surpresa,
Cristiano Ronaldo e Lionel Messi surgem, mais uma vez, como os grandes
favoritos à conquista do troféu, no entanto, este ano contam com a concorrência
de Manuel Neuer, um estreante neste grupo de elite, que, todavia, apresenta um
portefólio banhado a ouro, após a conquista da Bundesliga, da Taça e ainda do Campeonato do Mundo.
A nível pessoal, o ano civil de Neuer foi e
está a ser, também ele, digno de uma vénia. Com 28 anos, o alemão é
indiscutivelmente o melhor guarda-redes do mundo da atualidade e coroou a sua
ascensão ao Olimpo com a conquista da Golden Glove, respeitante ao melhor
guarda-redes do Campeonato do Mundo de 2014, além de estar a definir com
excelência e distinção o perfil do guarda-redes modelo do século XXI.
Não
obstante a brilhante época do guarda-redes, a sua presença no role dos três
candidatos finalistas à conquista do galardão mais cobiçado no mundo do futebol
surgiu para muitos como uma surpresa. Apesar de ter gerado alguma perplexidade,
a nomeação de Neuer foi recebida com entusiasmo pela comunidade futebolística,
uma vez que realça a valorização e o reconhecimento do trabalho e da perícia de
jogadores que assumem tarefas de índole defensiva dentro das quatro linhas,
isto, num período em que a sua qualidade é amordaçada e banalizada por
“monstros” que marcam mais de meia centena de golos por época, fazendo-nos
esquecer temporariamente que um corte ou uma defesa podem revelar-se tão ou
mais importantes que um golo. Aliás, teríamos de remontar ao ano de 2006 para
encontrar um jogador de características defensivas nos três finalistas à
conquista do prémio (Fabio Cannavaro seria, mesmo, coroado vencedor nesse ano)
e até 2002 para encontrarmos um guarda-redes nesse grupo privilegiado (Oliver
Kahn ficou em 2.º lugar). De resto, figuras de renome como Michel Platini e
Thibaut Courtois já vieram a terreno defender a atribuição do prémio ao alemão.
Ainda
que apoie de bom grado a equidade na esfera futebolística, isto é, a
elegibilidade de todos os jogadores, independentemente da posição que ocupam no
campo, para vencerem um prémio desta dimensão, e reconheça a necessidade
premente das entidades que tutelam a modalidade promoverem uma mutação das
mentalidades na hora de valorizar o papel e o impacto que cada jogador tem na
sua equipa, creio que esta nomeação peca em diversas premissas e uma eventual
vitória de Manuel Neuer poderá, de certo modo, contribuir para a
descredibilização deste (já polémico) prémio.
O
primeiro (e principal) ponto de debate desta conjuntura diz, exatamente,
respeito ao estatuto que Neuer goza na sua equipa e seleção. É de supor que um
atleta que é considerado o melhor do mundo da modalidade que pratica ou que,
pelo menos, é ponderado para tal distinção, deva ser o melhor jogador da
formação pela qual atua ou, então, o mais importante. Logo aqui, Neuer surge
numa posição dúbia. Neste contexto podemos até colocar de parte jogadores como
Robben ou Ribery, cujas candidaturas ficam debilitadas se considerarmos que não
conquistaram o Campeonato do Mundo. No entanto, mesmo com a concorrência
restringida aos jogadores germânicos, o guarda-redes não surge como um
candidato indiscutível e sem oposição capaz de o ombrear. À semelhança de Manu,
também Philipp Lahm, Bastian Schweinsteiger e Thomas Müller participaram na
época triunfante do Bayern de Munique e da Mannschaft e tiveram a sua
cota-parte de preponderância no trajeto conquistador de ambas as formações.
Assim, questiono qual a legitimidade da nomeação de Manuel Neuer e da exclusão
dos restantes jogadores mencionados?! Será Manuel Neuer o melhor jogador deste
leque? Terá sido o impacto de Neuer mais significativo que o dos seus colegas de
equipa e seleção? A meu ver, não…E ainda que não seja meu propósito questionar
o estatuto de jogador-chave do guarda-redes no seio de ambas as equipas, creio
que Lahm e Schweinsteiger assumem um papel bem mais preponderante que Neuer,
tanto a nível exibicional, como emocional, surgindo, portanto, como dois
concorrentes com maior credibilidade nesta corrida. O próprio Müller deve ser,
obrigatoriamente, considerado um elemento indispensável às formações em
questão, atendendo que é o descodificador do movimento ofensivo destas e,
obviamente, um candidato de peso na batalha pela condição de MVP da sua equipa
e seleção.
Outro aspeto pouco abonatório na
candidatura de Neuer é o facto deste assumir um papel semelhante ao que Víctor
Valdés assumia no Barcelona de Pep Guardiola. Tratando-se o Bayern de Munique
de uma equipa dominadora e de posse, Neuer não está constantemente a intervir e
a salvar a equipa. Ainda que seja um handicap inerente a qualquer guarda-redes
que atue num colosso, a verdade é que quando idealizamos o melhor jogador do
mundo pensamos num jogador que todas as semanas faz a diferença e deixa a sua
marca. Não é necessário procedermos a uma reflexão metódica e aprofundada para
percebermos que, por exemplo, Courtois teve um impacto mais significativo no
percurso do Atlético de Madrid até à final da Champions League e na conquista
da La, Liga do que Neuer nos sucessos alcançados pelo Bayern de Munique. Não
tivesse a Bélgica sido eliminada nos quartos-final do Campeonato do Mundo e,
provavelmente, não estaria a debruçar-me sobre esta problemática.
A meu ver, para que um guarda-redes seja
distinguido como melhor jogador do mundo deve exibir-se, por exemplo, a um
nível semelhante àquele que David de Gea tem vindo demonstrar nesta época
2014/2015. É, no entanto, óbvio que uma equipa que obrigue o seu guarda-redes a
aparecer em cena tão frequentemente, dificilmente terá capacidade para ganhar
títulos. Todavia, não se tratam de objetivos paradoxais, sendo o Chelsea de
2011/2012 exemplo disso mesmo. Em suma, creio que é e será este “paradoxo” o
maior entrave à condecoração, não só, de Neuer, como de qualquer guarda-redes
ou defesa, como melhor jogador do mundo, pois são remotas as probabilidades de
uma equipa conquistar títulos e aspirar dominar hegemonicamente o jogo quando
as suas principais figuras atuam no primeiro terço do terreno, daí considerar
que a atribuição deste prémio, mais do que injusta, é hipócrita, na medida em
que não contempla a modalidade como um desporto coletivo.
Ainda assim, apesar do ceticismo e da
reticência que demonstro face à nomeação de Neuer e independentemente do
resultado da mesma, os resultados divulgados no dia 1 de Dezembro podem ter um
impacto positivo no paradigma do futebol contemporâneo, na medida em que
lançaram para a praça pública uma questão que já deveríamos ter colocado há
muito tempo: como reconhecer, valorizar e premiar equitativamente jogadores de
características ofensivas e defensivas?