Nova Zelândia vence o Rugby Championship: sem atingir o nível de espectacularidade de outros anos, os All Blacks mostraram que ainda não têm rival à altura

Chegou ao fim este fim de semana a edição inaugural do Rugby Championship, o (pouco imaginativo) nome da nova competição máxima de rugby do hemisfério sul, que substitui o campeonato das Três Nações, agora alargado a quatro com a inclusão da Argentina. O novo formato reúne portanto a campeã do mundo Nova Zelândia, a Austrália, a África do Sul (primeiras três classificadas do ranking mundial) e a Argentina, num torneio “round robin” em que cada equipa defronta cada uma das outras duas vezes, em casa e fora. A Nova Zelândia venceu competição com relativa facilidade, terminando com 6 vitórias em 6 jogos e 26 pontos. Seguiram-se a Austrália e a África do Sul, ambas com 12 pontos, e a Argentina com 4.
A qualidade do rugby jogado nem sempre foi “vintage”, mas o torneio pode ser considerado um sucesso, na medida em que introduziu uma lufada da ar fresco, com a adição da Argentina, num formato que alguns começavam a questionar por ser demasiado fechado e já ter perdido o factor novidade. Os Pumas da Argentina, apesar do último lugar e apenas um empate, recolheram respeito e admiração. Temia-se que estivessem francamente abaixo do nível dos seus três ilustres adversários, mas apenas num dos jogos contra a Nova Zelândia foram claramente batidos. Em todos os outros ofereceram uma excelente réplica, e só por azar e falta de experiência não venceram pelo menos dois: em casa com a África do Sul (empate a 16, depois de terem dominado e liderado quase toda a partida), e fora com a Austrália (derrota por 4 depois de estarem a vencer por 13 a 20 minutos do final).
Os All Blacks da Nova Zelândia iniciaram a competição com uma nova estrutura técnica, mas apenas duas saídas de vulto depois do título mundial: Brad Thorn e Jerome Kaino. Não estiveram, no entanto, particularmente inspirados nas primeiras jornadas. Venceram facilmente a Austrália (a braços com uma crise de lesões) nos dois primeiros jogos. Seguiram-se vitórias difíceis em casa com a Argentina e a África do Sul. Parecia faltar algum músculo (que anteriormente era fornecido por Thorn e Kaino precisamente) e haver excesso de veterania (alguns dos principais jogadores estão na casa dos 30 ou quase). Tudo voltou ao normal nos dois últimos jogos fora de casa. Primeiro uma vitória expressiva por 40 pontos na Argentina, com as linhas atrasadas, ou os “backs”, a capitalizarem o restabelecimento do domínio dos rucks por parte dos avançados. De seguida, em Joanesburgo, depois de superarem a asfixia inicial e corrigidos os erros disciplinares que fizeram com que a África do Sul dominasse em território e posse de bola, deram uma lição de como jogar à mão, terminando o jogo mais difícil com uma vitória convincente e expressiva. Para o futuro será interessante ver como os All Blacks vão gerir a transição geracional. O capitão Richie McCaw (que provavelmente será aclamado como o melhor jogador de todos os tempos quando pendurar as botas) tem quase 32 anos e vai agora tirar uma sabática longe do rugby até meados de 2013, de modo a gerir o corpo até ao mundial de 2015. Carter (de certeza o melhor médio de abertura da história) chegou aos 30 e tem tido algumas lesões (o substituto Aaron Cruden é bom, mas não é coincidência que os dois jogos que Carter perdeu por lesão foram os dois piores dos All Blacks). O mesmo se passa com a dulpa de centros, Conrad Smith e Ma’a Nonu (a melhor dos últimos anos), especialmente agora que Sonny Bill Williams, o Cristiano Ronaldo da Nova Zelândia e talvez o maior talento do rugby actual, emigrou (recorde-se que os All Blacks apenas convocam, por opção própria, jogadores locais). Se nos basearmos na história, de certeza que não tardarão a aparecer substitutos à altura (e outros líderes já se perfilam, como Dagg, Owen Franks, Whitelock ou o enorme Kieran Read). No curto prazo, adivinha-se mais uma tourné de sucesso no hemisfério norte em Novembro.
A prova dos Wallabies da Austrália é difícil classificar. Por um lado ganharam três jogos, mesmo com dois terços do XV titular lesionado, incluindo Genia, Pocock e Horwill, que sucessivamente se iam substituindo como capitães de equipa à medida que se iam lesionando. Por outro lado, os que restaram praticaram um rugby muito probre e bem longe do que esta equipa prometia há um ou dois anos atrás, quando a jovem e endiabrada linha atrasada prometia tomar de assalto o rugby mundial durante a próxima década (de resto, o nível de jogo já tinha vindo a decair anteriormente, mesmo com a equipa completa). A pressão sobre o treinador Robbie Deans está a atingir um nível intenso e pode haver chicotada psicológica ainda este ano. Apesar de tudo, vários jogadores podem sair de cabeça erguida por terem conseguido liderar a equipa até três vitórias improváveis. Destaques para o veterano 2ª linha Nathan Sharpe, Ioane, Ashley-Cooper e Kurtley Beale.
A África do Sul, ou Springboks, foi a equipa que mudou mais desde o mundial. Saiu o treinador e uma grande quantidade de veteranos campeões do mundo em 2007. Entraram Heineke Meyer para o banco, e uma série de jovens de 20 anos. Os primeiros jogos foram péssimos, com a equipa a insistir num plano de jogo que não colhe frutos desde 2009: muito jogo ao pé a apostar no contra-ataque e no erro adversário; pouca imaginação a jogar à mão. Já havia quem pedisse a cabeça de Meyer, mas os últimos jogos foram bem mais positivos (até o ponta Bryan Habana parecia ter reencontrado o nível de há 5 anos atrás). Ainda que mantendo as virtudes tradicionais (ferocidade no bloco de avançados e aproveitamento dos erros), a entrada da jovem esperança Johan Goosen para médio de abertura provocou uma mini-revolução (pelo menos a nível psicológico). A euforia era grande para o último jogo com os All Blacks, mas a pesada derrota temperou os ânimos. O futuro é promissor, e são provavelmente a segunda melhor equipa da actualidade, mas (ainda) muito longe da primeira.
Finalmente a Argentina justificou que finalmente lhe tenham sido abertas as portas desta competição. Realisticamente, ainda vai demorar algum tempo até poderem jogar de igual para igual com as restantes equipas, mas mostraram um nível muito positivo, apesar dos resultados desfavoráveis. A defesa foi das melhores da competição e o entusiasmo nunca faltou. Têm alguns jogadores ao nível dos adversários (em particular o excelente capitão Fernandez Lobbe), mas terão de perder o hábito de basear todo o jogo no bloco de avançados. No hemisfério sul isso não é suficiente. Mas há sinais promissores e backs como Amorosino, Bosch e Hernandez que podem contribuir para um jogo mais criativo e expansivo no futuro próximo.
XV da prova:
15 – Israel Dagg (Nzl): Dagg tornou-se o dono da camisola 15 o ano passado e é um digno sucessor dos grandes 15s neo-zelandeses. Excelente nas bolas altas, com grande jogo de cintura e fintas de pés. Alia a tudo isso uma boa capacidade concretizadora. Ainda não atingiu este ano a qualidade exibicional de 2011 e 2010, mas não anda muito longe. Menção honrosa: Zane Kirchner (AfS).
14 – Bryan Habana (AfS): o homem que uma vez entrou numa prova de sprint contra uma chita num evento publicitário… Depois de algumas épocas decepcionantes, o grande ponta sul africano voltou ao melhor nível neste torneio. Igualou o record de ensaios do Três Nações (sete) e mostrou uma grande disponibilidade para estar em todo o lado, tanto na defesa como no ataque. Menção honrosa: Cory Jane (Nzl).
13 – Adam Ashley-Cooper (Aus): rodou também pela posição 15 e foi uma das figuras mais esforçadas das enfermas linhas atrasadas australianas, especialmente na defesa. Acabou o torneio depois de uma lesão arrepiante onde se chegou a temeu o pior, saindo incosciente e com um colar de segurança no pescoço. Menção honrosa: Marcelo Bosch (Arg).
12 – Ma’a Nonu (Nzl): um terror para qualquer defesa, o possante centro neo-zelandês começou o torneio a 13 para acomodar Sonny Bill Williams no XV, mas é a 12 que se sente bem e onde faz maiores estragos, como se viu nos 4 jogos finais. Fartou-se de ganhar metros em choques e foi sempre um dos primeiros a chegar a bolas divididas. Menção honrosa: Sonny Bill Williams (Nzl).
11 – Digby Ioane (Aus): um dos melhores pontas mundiais, foi perdendo fulgor ao longo da prova. Marcou ainda assim o ensaio decisivo na Argentina. Nas primeiras 2 ou 3 jornadas foi, ainda assim, um dos dois melhores backs da prova (juntamente com Sonny Bill), com a desvantagem de não ter à sua volta a qualidade dos All Blacks. Menção honrosa: Hosea Gear (Nzl).
10 – Dan Carter (Nzl): o maestro de toda a orquestra neo-zelandesa. Como disse acima, é o melhor 10 da história. Quando esteve lesionado a equipa esteve desconfortável, quando esteve em campo espalhou classe. Menção honrosa: Juan Martin Hernandez (Arg).
9 – Aaron Smith (Nzl): a posiçã 9 (médio de formação) tem sido o calcanhar de Aquiles dos All Blacks ao longo da última década. Smith estreou-se este ano e rapidamente se percebeu que estava ali, finalmente, um grande talento. A capacidade de fazer circular a bola rapidamente é perfeita para o tipo de jogo dos All Blacks. Entrentanto, em jogos mais apertados, também se percebeu que tem ainda algumas lacunas. Apesar disso, não houve melhor neste torneio. Menção honrosa: Ruaan Pienaar (AfS).
8 – Kieran Read (Nzl): quando McCaw pendurar as botas será o líder. Para já vai passeando classe em cada jogo. É o 8 mais completo do mundo, e talvez o melhor jogador da actualidade em qualquer posição. Menção honrosa: Juan Martin Fernandez Lobbe (Arg).
7 – Richie McCaw (Nzl): no início do ano houve quem sugerisse mudar McCaw para uma posição menos exigente, ou fazê-lo descansar mais vezes. McCaw passou os 30 e o ano passado toda a gente parecia concordar que o australiano Pocock ou o galês Warburton eram agora as referências na posição. Em vez disso, McCaw respondeu com um torneio de tal nível que ninguém ousará mais mencionar tamanhas heresias. Contra a África do Sul, um adversário de cabeça perdida lançou-se em voo para lhe dar uma cotovelada em cheio no olho. Minutos depois, com o resultado feito, uma penalidade neo-zelandesa ressalta no poste. O primeiro a chegar à bola foi McCaw. Noutro lance, foi o causador do colapso duma formação adversária que se encaminhava para a linha de ensaio; no seguimento da jogada, fez uma placagem que salvou novamente o ensaio; e pouco depois ganhou uma penalidade. Será recordado daqui a longas décadas. Menção honrosa: François Louw (AfS).
6 – Liam Messam (Nzl): Messam completa uma 3ª linha 100% all black. Não tem a influência dos dois companheiros, nem faz esquecer ainda Jerome Kaino, mas cumpriu com o necessário. Menção honrosa: Willem Alberts (AfS).
4 e 5 – Sam Whitelock (Nzl) e Nathan Sharpe (Aus): Whitelock é um dos segundas linhas com maior capacidade técnica e maior capacidade de contribuir para equipa para além das funções clássicas dum segunda linha. Ainda não cimentou a posição, mas terminou o torneio em boa forma e com um bom ensaio em Joanesburgo, digno dum ponta. Sharpe fez um torneio algo irregular, mas merece crédito por ter dito presente quando a equipa precisou dum líder e de alguma direcção. Menções honrosas: Patricio Albecete (Arg) e Eben Etzebeth (AfS)
3 – Owen Franks (Nzl): óptimo pilar e ainda jovem. Na linha daquilo que é exigido aos avançados neo-zelandeses, um all-rounder com boa capacidade técnica, para além de não ter sido nunca superado no scrum. Menção honrosa: Jannie du Plessis (AfS).
2 – Adriaan Strauss (AfS): numa equipa normal, a perda por lesão do melhor talonador do mundo (Bismarck du Plessis) e do seu substituto (Chiliboy Ralepelle) seria motivo de alarme, mas não numa equipa com a riqueza dos Springboks a nível de avançados. Strauss nunca fez exibições de encher o olho, mas foi competente em todos os jogos. Menção honrosa: Tatafu Polota-Nau (Aus).
1 – Rodrigo Roncero (Arg): gordo, feio, careca e grisalho. Parece que não pertence a esta era do rugby profissional. Já tinha a reforma anunciada quando o convenceram a ajudar a pátria na estreia desta prova (uma ambição que a Argentina tinha há imenso tempo). Em boa hora o fez. Sem pernas para os 80 minutos, fez mais do que o sufuciente nos 50/60 que geralmente jogava. Perdeu gás nos jogos finais (como o resto da equipa), mas foi de longe o melhor nº1 nos jogos iniciais. Marcou um ensaio na Nova Zelândia e, quando saiu para os aplausos no último jogo da carreira, o árbitro fez questão de se aproximar para lhe dar um aperto de mão e felicitá-lo pela grande carreira. Menção honrosa: Tendai Mtwarira (AfS).
Visão do Leitor: B. Martins
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